Donald Trump e Lula
O governo Luiz Inácio Lula da Silva discute internamente como vai propor a Donald Trump um acordo, e o que vai incluir, com vistas às próximas reuniões de negociação para solucionar o tarifaço. Uma delas pode ocorrer na próxima semana, em Washington, nos Estados Unidos.
Entre as opções, estão um acordo comercial mais abrangente e horizontal ou a discussão por setores econômicos em que podem ser feitas concessões pontuais e reduções de tarifa, com contrapartidas.
O governo também avalia como incluir promessas de investimento e compromissos de compra do setor privado, algo atípico em negociações comerciais, mas que costuma estar envolvido nos acordos feitos pelos EUA com outros países, e agrada a Trump porque dá oportunidade de citar cifras, render manchetes na imprensa e fomentar empregos.
Uma das propostas é sugerir o objetivo de elevar o comércio bilateral para US$ 200 bilhões até 2030 e avaliar sinalizar compras na área de Defesa.
Depois da reunião entre eles no domingo, e do encontro de negociadores subsequente, também em Kuala Lumpur, negociadores relataram que será preciso traçar agora uma estratégia e ouvir novamente o setor privado brasileiro.
Ao longo dos últimos meses, os dois governos fizeram mapeamentos sobre os setores mais afetados de cada lado. Eles chegaram a manter negociações antes, por causa da deflagração da tarifa global “recíproca” de 10%, em abril, e depois da sobretaxa por razões políticas, de 40%, em julho. O Brasil apresentou uma proposta em maio, mas não recebeu resposta.
O presidente brasileiro e sua equipe pediram, sem sucesso, que Trump aceitasse uma trégua e suspendesse a taxação inicialmente para que os dois governos negociassem. O americano não cedeu ao que foi chamado de um pedido de “boa vontade”.
O Brasil não fez gestos durante as conversas na Malásia, segundo um negociador, porque sabia que Trump tentaria “maximizar” sua posição na mesa e cobrar por alguma concessão. O lado americano também não fez cobranças.
Na primeira reunião com os presidentes, as duas equipes se mostravam impassíveis - com “poker face”, disse um dos participantes - e os presidentes se moviam como numa dança de tango, com cada passo calculado.
Participantes da negociação relatam que os dois lados querem avançar bem rapidamente e que a primeira reunião não deve demorar. Esse foi o teor do último contato presencial na Malásia.
Participaram dele o ministro Mauro Vieira (Itamaraty), o secretário-executivo Márcio Elias Rosa (MDIC) e o embaixador Audo Faleiro (Assessoria Especial da Presidência), pelo Brasil; Scott Bessent (secretário do Tesouro) e Jamieson Greer (representante comercial - USTR), pelos EUA.
Lula disse que enviaria aos EUA as três autoridades políticas mais envolvidas: o vice-presidente Geraldo Alckmin (ministro do MDIC) e os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Mauro Vieira (Itamaraty).
A expectativa de um negociador é de que em até três reuniões o cenário comece a ficar mais claro, com as cartas na mesa.
O governo brasileiro não pediu um prazo de suspensão do tarifaço, a fim de não prolongar as tratativas. Em negociações com outros países, o governo Trump estabeleceu datas e períodos específicos, como 90 ou 120 dias.
Alguns dos setores já conhecidos são café, carne, açúçar e etanol, bem como aeroespacial, além dos minerais estratégicos, entre eles reservas de terras raras.
O Estadão teve acesso a um documento que registra parte da estratégia em discussão, cenários de negociação e cita ofertas já colocadas na mesa e o formato de outras. Ele foi elaborado antes do encontro de Lula e Trump na Malásia.
O documento cita como possibilidades um pacote de “acordos setoriais” com tarifas (zero por zero) ou um pacote de “barganhas pontuais”. Em qualquer das opções, técnicos recomendaram:
• Meta de comércio bilateral alcançar US$ 200 bilhões em 2030 (em 2024, o fluxo foi de US$ 124 bilhões. As estimativas feitas a partir das informações estatísticas dos EUA)
• Meta de compras brasileiras dos EUA envolvendo desde aeronaves (90 aviões) a produtos energéticos (fazer projeção)
• Meta de investimentos nos EUA (desde que seja número robusto)
• Agenda positiva: colaboração em energia (inclusive SAF), minerais críticos, resiliência de cadeias de suprimento, barreiras técnicas e propriedade intelectual (caso não seja possível estabelecer compromissos substantivos nessas áreas)
• Avaliar interesse em sinalizar compras na área de Defesa
• Troca de experiências em questões regulatórias relativas ao setor de tecnologia, como em inteligência artificial
• Agendamento de reunião do Fórum de CEOs e diálogo comercial MDIC-DoC
Setor privado
A Embraer já apresentou aos americanos um cenário de compras de produtos. Mas ele poderá ser reforçado e ampliado.
A fabricante de aeronaves compra peças e motores nos EUA para seus aviões feitos no País e envia para clientes estatais ou privados de todo o mundo. A cadeia de suprimentos da indústria está ligada à tecnologia americana, com motores e aviônica, por exemplo.
A empresa já avisou aos americanos (e ao governo brasileiro) que possui planos de investimento de US$ 500 milhões no país, mais US$ 20 bilhões em compras de equipamentos para montagem de aviões, em cinco anos, o que pode chegar a US$ 40 bilhões em dez anos.
“O risco de não diminuir a tarifa é que os clientes compram menos avião, porque fica mais caro. Se comprar menos avião, a gente compra menos motor”, disse Francisco Gomes Neto, presidente da Embraer. “Os dois governos sabem da importância da Embraer, do que a gente está fazendo. A gente não negocia. Nas nossas reuniões que fizemos, deixamos claro o que a gente faz, os benefícios em termos de investimentos e geração de empregos.”
Questionado pelo Estadão se os valores do plano de compras incluíam a perspectiva de vender até 80 aeronaves militares C-390 Millennium para a Índia, Gomes Neto disse que não, a concorrência estava fora dos cálculos, porque a concorrência está em aberto, mas que a pergunta lhe deu uma ideia.
“Esse acordo é fundamental para a gente ter a chance de voltar para zero”, disse Gomes Neto. “É um baita potencial porque mais de metade do avião (KC-390) é americano”.
Os donos da JBS não citaram números ou investimentos em específico para suas operações em solo americano.
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