Uma única coisa não poderia ocorrer durante a ação penal contra o ex-presidente, sob pena de sua ida para a cadeia se consumar. Mas os últimos atos indicam que isso já está ocorrendo

Desde o momento em que surgiram as primeiras pistas de que Jair Bolsonaro (PL) e seu staff de governo poderiam estar por trás da tentativa de golpe de Estado perpetrada após sua derrota nas urnas, diga-se de passagem a partir de uma reportagem exclusiva da Fórum, em 13 de dezembro de 2022, revelando a atuação do GSI na noite de terror ocorrida em Brasília no dia anterior, depois da diplomação de Lula (PT) no TSE, o ex-presidente tem se concentrado numa única coisa, que não poderia ocorrer de forma alguma, pois o colocaria de forma cabal e irrefutável na cena do crime como o mentor da conspiração que quase derrubou a jovem democracia brasileira, por mais que isso seja óbvio.
Mauro Cesar Cid, o tenente-coronel do Exército que serviu como ajudante de ordens de Bolsonaro, mesmo tendo se tornado peça central ao delatar tudo que ocorrera naqueles conturbados dias, não era exatamente uma figura do primeiro escalão do governo, tampouco um oficial do alto comando das Forças Armadas. Suas palavras tiveram e seguem tendo peso no caso, sendo essenciais para muitos esclarecimentos obtidos pela Polícia Federal, mas o pior dos mundos para o antigo ocupante do Palácio do Planalto seria mesmo se um dos grandes colaboradores envolvidos na trama, réu junto com ele, resolvesse confirmar tudo o que a sua babá de luxo vestida de verde-oliva já havia revelado.
Quem assistiu com atenção ao primeiro dia do julgamento de admissibilidade da denúncia contra Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal, na terça-feira (25), deve ter notado uma coisa: nenhum advogado de defesa, de nenhum dos réus (com exceção do de Bolsonaro, claro), negou que uma tentativa golpe ocorreu. Eles limitaram-se a dizer que seus clientes não tinham parte naquele crime, apresentando apenas supostas evidências da inocência deles.
No caso de qualquer um dos militares em postos de comando, oficiais generais de quatro estrelas, ou de seu ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, um delegado de carreira da PF, abrirem a boca e confirmarem o plano do golpe, absolutamente tudo para Bolsonaro estaria acabado. A cadeia se materializaria e suas já remotas chances de absolvição se dariam por esgotadas. Nesse sentido, após todos os advogados não negarem que uma tentativa de ruptura de fato ocorreu, um deles foi além e complicou totalmente o ex-presidente.
Trata-se de Demóstenes Torres, o ex-senador cassado que hoje é o defensor do ex-comandante da Marinha, o almirante Almir Garnier Santos. Numa entrevista na quinta-feira (27) à jornalista Andréia Sadi, na GloboNews, o advogado começou dizendo o óbvio, que seu cliente não aderiu a golpe algum e que nunca colocara as tropas sob seu comando à disposição de uma sublevação, mas emendou confirmando expressamente que houve a tentativa de golpe e que Bolsonaro convocou Garnier, assim como o general Freire Gomes, então comandante do Exército, e o brigadeiro Baptista Júnior, então comandante da Aeronáutica, para uma reunião em que um “decreto de Estado”, que usaria as Forças Armadas para impedir a posse do presidente eleito, seria analisado e deveria ser endossado por eles.
Partindo deste ponto, o que temos que observar agora são as primeiras audiências da ação penal instalada contra esses réus. Se Garnier autorizar seu advogado a seguir com essa tese, bem como se outros acusados fizerem o mesmo, Bolsonaro já poderá ser considerado um condenado antes mesmo da sentença, uma vez que até seus aliados mais próximos estariam dispostos a falar a verdade abertamente, em juízo, para que o verdadeiro motor da empreitada golpista pague pelos crimes que cometeu.
Com esse cenário, que se iniciou a partir da entrevista de Demóstenes Torres, falando em nome do almirante Garnier, o grande medo de Bolsonaro já se concretizou e a tendência é de que as coisas só piorem para ele daqui para frente.
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