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Jair Bolsonaro parece não levar o aquecimento global muito a sério



Nos próximos anos, o aumento das temperaturas globais deve aumentar a ocorrência de doenças transmitidas por vetores. E ameaça sobrecarregar os sistemas de saúde em todo o mundo, alerta um novo relatório
Terreno é desmatado em Itaipu, Niterói (RJ) - Roberto Moreyra / Agência O Globo

Jair Bolsonaro parece não levar o aquecimento global muito a sério. Ele até diz acreditar na existência do fenômeno — demonstrando mais prudência que seu futuro ministro das Relações Exteriores, segundo o qual o aumento das temperaturas médias globais não passa de complô marxista. Mas dá mostras recorrentes de que agir para deter a escalada das temperaturas não é prioridade: já ameaçou retirar o Brasil do Acordo de Paris, criticou a suposta ingerência de nações estrangeiras na política climática brasileira e, num golpe que ameaça anos de protagonismo brasileiro no setor, decidiu que o país não vai mais sediar a Conferência das Partes, em 2019. Para todos os efeitos, o aquecimento global, na visão do presidente eleito, é problema menor. Se tanto.

Evidências de que Bolsonaro deveria mudar de perspectiva abundam. O aumento das temperaturas globais, nos próximos anos, deve elevar o nível dos oceanos, alterar o regime de chuvas em diversas regiões do planeta e provocar períodos de seca prolongada em outras tantas. O fenômeno vai alterar ecossistemas e, inclusive, provocar perdas econômicas. Um relatório, publicado no final da semana passada pela revista científica The Lancet, fornece mais elementos para engrossar a lista de tragédias em potencial: o aquecimento global deve provocar (e já provoca) sérias consequências para a saúde humana. E pode sobrecarregar os sistemas de saúde de países como o Brasil.

O alarme consta no relatório The Lancet Countdown para Saúde e Mudanças Climáticas. Produzido graças à colaboração de cientistas do mundo inteiro — brasileiros entre eles —, o documento é atualizado anualmente desde 2016 e faz um balanço de quais serão as consequências das mudanças climáticas para o setor. O cenário desanima. Os especialistas estudaram 41 indicadores e avaliaram a situação de 478 cidades em todo o mundo. Concluíram que mais da metade delas (51%) terá suas estruturas de saúde seriamente comprometidas.

Segundo o documento, a saúde de populações em todo o mundo já é afetada por ondas de calor, que aumentaram em frequência e intensidade. Somente no ano passado, elas atingiram 157 milhões de pessoas a mais que no ano 2000. A exposição prolongada ao calor causa danos à saúde vascular: “O calor dilata os vasos sanguíneos e permite a passagem de líquidos para fora do vaso”, explica o médico Almar Bastos, da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular do Rio de Janeiro. “Com menor volume sanguíneo, existe o risco de sobrecarregar o coração”. Idosos e pessoas que trabalham ao ar livre estão entre os grupos mais vulneráveis.

Para o Brasil, e para países localizados em regiões tropicais, os problemas mais urgentes dizem respeito a doenças provocadas pela poluição atmosférica e àquelas transmitidas por vetores. A mudança no regime de chuvas, explicam os especialistas, aumenta sua ocorrência. Hoje, o Brasil lida, todo o verão, com ao menos três: dengue, zika e chikungunya. Todas transmitidas, em ambiente urbano, pelo Aedes aegypti. Segundo a Lancet, desde 1950 (quando avaliações desse gênero começaram a ser feitas) a capacidade desse mosquito de transmitir dengue aumentou em 9% em todo o mundo. Mantida a tendência atual, sua área de atuação deve se ampliar e afetar também regiões de clima temperado: “As tendências nos impactos, exposições e vulnerabilidades da mudança climática mostram um nível inaceitavelmente alto de risco para a saúde atual e futura das populações em todo o mundo”, diz o relatório.

No capítulo específico sobre o Brasil, o relatório alerta para os impactos dessas mudanças na Amazônia. Estima-se que essa será a região do país mais afetada. Por lá, a população já sofre com problemas respiratórios motivados pelas queimadas que consomem a floresta.

O documento traz também sugestões de políticas públicas para o país. São recomendações que envolvem, por exemplo, investir na busca e combate a focos do Aedes aegypti. E pensar o desenho das cidades levando em conta formas de amenizar os efeitos das ilhas de calor — regiões dos grandes centros urbanos onde as temperaturas são mais altas — sobre o bem-estar da população.

O documento é enfático ao afirmar que as mudanças climáticas, ao longo dos próximos anos, exigirão medidas de adaptação dos sistemas de saúde. As temperaturas vão subir. Evitar que as populações sofram demandará comprometimento dos próximos governos. Afinal, não se trata de complô marxista, como ainda afirmam alguns. Trata-se, isso sim, de uma tragédia anunciada, cujos efeitos ainda podemos amenizar.

Rafael Ciscati é repórter de ÉPOCA e O Globo, escreve às terças-feiras sobre políticas públicas para a saúde.
                                                       Fonte : epoca.globo.com

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